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Puma e Tuca

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Ironman 2010

segunda-feira, 5 de maio de 2014

As Etapas do Saara Racing 2014 - Jordânia - 16/02/2014 a 22/02/2014


Por: Gélcio Silveira

1º Etapa - Inicio de uma rotina diária, acordar às 5:30h, arrumar o saco de dormir, amarrar na mochila, tirar o café do dia, um preparado que fiz, altamente calórico. Não levei pratos, portanto, para fazer o café, cortávamos uma garrafa plástica de água, e com o fundo fazíamos um recipiente, onde preparávamos nossas refeições. Acreditem, qualquer 100gr que você evitar, ajuda.

Outra rotina, às 7:30h, a organização com um megafone, fazia uma explanação do que seria a prova naquele dia, dificuldades, etc..

Às 08h, o tiro inicial, foram 39,7 km, com muita chuva e frio… 


Uma novidade, muita areia; areia branca, preta, fofa, dura e algo que não esperava: cascalhos! A sensação é que uma bomba havia explodido minutos antes. Andei muitos Kms, tendo que escolher onde pisar, pois era impossível fazê-lo correndo sem o risco de queda séria.

A estratégia do primeiro dia, lembrando que ao fim do dia, ainda faltariam 210km, foi andar forte nas subidas, e trotar nas decidas. O peso nas costas, com as caraminholas cheias, chegava a 11,5Kg… por isso, qualquer corrida mais rápida ficava difícil. 

No entanto, a grande dificuldade do dia não foi nada disso, foi o frio e a chuva torrencial. Para me salvar, peguei um saco de lixo grande, e fiz uma capa, e coloquei por baixo das roupas, isso me manteve aquecido (no peito).

Nesse dia, 3 atletas desistiram, sendo todos por hipotermia.

Fiquei aproximadamente 4h me secando na tenda, em volta do tambor com fogo, acabei seco e defumado... kkk. Detalhe, toda minha roupa, estava no meu corpo, e portanto, se não fizesse isso, dormiria molhado.

Nesse 1º dia, fiz 2 bolhas, na parte interna do calcanhar, lugar novo pra mim, já que nos meus treinamentos no Brasil, troquei a sola do pé umas 3 vezes!

Após tudo seco, concluímos que seria impossível dormir na tenda beduína. E decidimos, eu, um canadense chamado Paul e o outro brasileiro, Paulo, dormir na barraca plástica, que não tinha paredes, mas que não entrava água por cima.

Assim, naquela noite, pegamos o tambor com fogo, e deitamos em volta. Tentem imaginar, o tambor ao centro e os sacos de dormir fazendo um triângulo em volta, cada um pegando uma beradinha do calor…

Um curiosidade deste dia, faltando 2km para a linha de chegada, encontramos os outros dois brasileiros, o Vladi e o Alex,  sendo que o primeiro é 100% cego, e o outro é seu guia… Uma lição de vida, e superação, que me ajudou muito, nos momentos mais difíceis da minha vida.

Nesse dia fiz em 06:47:22.

2º Etapa – O amanhecer foi muito frio, um absurdo de frio! Tanto que nessa noite, a organização arrumou cobertores, pois, concluíram o risco de morte por hipotermia. A distância foi de 39,6km.

Até o meio dia insuportavelmente frio; após saíram as nuvens e veio um céu de brigadeiro,,, e o solzão deu a graça, e amigos,,, comecei a achar que com frio não estava tão ruim,,, kkk.

Um aumento de dificuldade para o dia anterior de uns 20%, nada impossível. Muitas ossadas de camelos no caminho. Ahhh, havia esquecido,,,o lugar é maravilhoso, muitos camelos selvagens, vi muito mais camelos do que pessoas no deserto.

Mantive meu pace… acreditando em minha estratégia. Tanto no primeiro dia, quanto nesse, eu e o Paulo, fomos juntos, e terminamos juntos. Nesse dia fiz em 06:43:11.  

3º Etapa - Nesse dia, amanheceu um pouco menos frio, e com os cobertores tudo ficou mais tranquilo. A dificuldade passou a ser por conta do calor, já que em relação ao terreno e dificuldades, foram muito parecidos com os dos dias anteriores.

Por incrível que pareça, fazer 39,2 km embaixo de sol não parecia nada demais, estava virando rotina. Foi nesse momento, perto do Km15 que por conta do terreno acidentado, fiz uma leve torção no tornozelo direito, nada demais, tanto que dei continuidade como se nada tivesse acontecido.

No entanto, ao fim da etapa, quando o corpo esfriou, notei uma inflamação aguda no tornozelo e no músculo frontal da tíbia direita. Tomei um antiinflamatório e fui dormir. Nesse dia fiz em 07:11:34.

4º Etapa - Acordei e descobri que o tornozelo direito bem como a “canela” doíam, mas a dor é parceira nossa, então, tomei mais um antiinflamatório e começamos o dia. Muito complicado, muito quente,,, Nesse dia, passamos por um autódromo de camelos, sim,,, eles estavam treinando camelos para corridas, e pelo que notei, algo bem profissional.

Quanto a dificuldade, muito parecido com os outros dias. O diferencial era o acúmulo dos dias anteriores, as noites mal dormidas, a alimentação racionada, isso tudo aos poucos vai minando o atleta.

No Km25 encontramos os outros brasileiros, Vladi e Alex, e acabamos juntos, Eu, Paulo e os dois. Ao terminar a etapa, me assustei, pois o tornozelo e perna estavam muito inchados, e quanto a dor, não preciso mencionar. Mas, a frase, a dor é passageira, mas a desistência é para sempre, não saia da minha cabeça.

Eu estava muito chateado, pois, não tinha cansaço algum, dor alguma, cãibra, nada, apenas aquele tornozelo infeliz para deixar tudo mais complicado. Foram 39,3km em 07:21:46

5º Etapa - O dia do desafio chegou, 86,5 km!

Tínhamos das 8h desse dia, até 12h do dia seguinte para completar. Meu tornozelo e canela imóveis, inchados. Fui até a tenda médica, e o mesmo sugeriu que eu abandonasse. Segui afirmando que Eu precisaria de toda a minha capacidade física para completar esse dia. Eu, respeitosamente disse: “Dr. vou até minha tenda e já volto” … ele deve estar me esperando até agora...kkk

Fui até minhas coisas e peguei o máximo de remédios para dor, pedi a alguns amigos, e fiz um estoque para cada 3 horas. Iniciamos a grande e penúltima etapa. O que vou relatar agora não tem o propósito de tornar mais dramática a viagem, a aventura, mas foi o dia mais longo da minha vida e com certeza nunca senti tanta dor.

Sabe o nível de dificuldade do terreno nos dias anteriores? Então, esse dia, foi 3 vezes mais difícil que os outros dias juntos. Fizemos 2.200mts de altimetria acumulado. Iniciamos com a descida de um desfiladeiro, com rochas soltas, e muito perigoso, isso durante uns 7km. Chegamos a um rio seco, entre paredões de pedra, ou seja, quando chovia, ali era a avenida principal.

Nesse rio seco, fizemos 39km, é difícil explicar como é correr dentro de um rio seco, mas na faixa central é areia fofa, e nas laterais pedras soltas, portanto, foi complicado..ahhh, o calor,,, não esqueça do calor…

Quando cheguei ao posto de hidratação 4, fiquei feliz, havia acabado o rio, então saímos dele, e para a surpresa de todos, 11km de subida, do leito do rio até o topo da montanha, 680mts de subida. 

Lembrei da montain Bike, e usei essa experiência para não desanimar,,,sempre pensava, na próxima curva acaba...kkk! Quando cheguei no topo da montanha estava escurecendo, e na seqüência o posto número 5, faltavam 36 km para fazer a noite. Ligada a lanterna de cabeça, continuei, pois se parasse 1minuto, tinha medo de esfriar e a dor aumentar.

Durante a noite, tudo o que Eu imaginava sobre dor, dificuldade, frio, fome, tudo foi vivido. Enquanto era dia, eu conseguia ver onde pisar e isso me ajudou muito, já durante a noite, apesar da lanterna ser boa, inúmeras vezes pisei errado, principalmente nas descidas com pedras soltas, nesses momentos a dor era quase insuportável.

Recordo de algumas vezes pisar errado e a dor ser tão intensa, que vinha com uma ânsia de vômito. Algo que Eu nunca tinha vivido, nem em treino, nem nas épocas das Lutas, nunca!

No auge do transe e da luta metro a metro no escuro, cheguei ao posto 6 onde havia água quente. Parei por 15 min, fiz comida, me aqueci e hidratei. Nisso, quase que reclamando da minha dor, parei em uma tenda diferente, montada ao lado da tenda de hidratação. Era uma tenda médica, e acreditem, tinha gente no soro, outros desmaiados, gente chorando, vomitando, parecia uma guerra; Aquilo, me deu forças, pois vi que tinha gente pior que Eu. E aquela frase não parava de bater em minha cabeça, a dor é passageira …blá, blá, blá….

Pedi ao médico, remédio para dor e ele me deu 3 comprimidos e disse tome 1 a cada hora, eu concordei, e tomei os 3 ao mesmo tempo, pois tava de chorar. Na seqüência perguntei quanto faltava e tomei um susto, pois faltava 31km.

Só para resumir, no posto 6 eram 8h da noite. Levei mais 8h para fazer os últimos 31 km. Cheguei às 04:08h. Se me perguntarem como passei essas 8horas, não sei explicar, lembro de momentos, e das ânsias de vômitos por conta das pisadas erradas.

Lembro também de adorar as subidas, pois doía menos, acreditem, quando eu via que era uma descida, já me preparava para a tortura. Eu nunca imaginei torcer por subidas kkk!

Outra coisa, faltando 1km para a chegada, era possível ver as luzes do acampamento no meio do deserto, lembro de ter ficado eufórico, o fim tinha chegado, a dor iria acabar.

Ilusão minha, nesse último km levei aproximadamente 1h:30 para fazer. Era uma descida, com pedras soltas, em “s” que somente cabritos montanheses usavam. Absurdo, uma dificuldade inacreditável, estava exausto, foi o Km mais difícil da minha vida.

Por fim, cheguei no acampamento e deitei na primeira tenda que vi. Acordei tinha umas pedras enormes embaixo das minhas costas, e nem havia notado, oh soninho bom!!!  Nesse dia fiz em 20:06:00.

Não da para acreditar, mas às 14:00h do dia seguinte tinha atletas chegando ainda. Olhava em volta e  parecia um campo de guerra pós ataque. A tenda médica era a mais frequentada. Gente chorando, mancando, bolhas, curativos, muletas. Todos, do 1º colocado ao último estavam de alguma forma com cara de dor.

No entanto, era um olhar diferente, dor com vitória. Aquele brilho, o brilho da superação nunca mais sairá da minha cabeça. Os que desistiram, e foram pegos pela organização, choravam compulsivamente quando viam chegar alguém às 15h, semimorto, mas vitorioso, não desistiu…venceu o maior dos inimigos, ele mesmo.

Aprendi algumas lições:

ü      Precisamos de pouco, muito pouco;
ü      Amigos aparecem quando você menos espera;
ü      A dor é psicológica sim, e ponto final;
ü      Somos indestrutíveis, e nosso limite é feito pelos nossos sonhos;

Ah, e que chorar não é coisa de menina...kkk, pois no dia seguinte, quando lembrava de tudo que havia passado, e vinha aquela dor, dava nó na garganta e enchia os olhos,,, Pensa num sentimento maravilhoso, o choro da vitória.

6º Etapa - Largamos às 09h, dia de festa, apenas 6,1km, do acampamento até as ruínas de Petra.

Sou honesto, minha perna não queria fazer esse último trecho. Mas, missão dada é missão cumprida. Então, faca na caveira! Resumo, fiz esses 6km trotando e correndo. A dor era alucinante, mas andando doía mais. Peguei a Bandeira do Brasil, e coloquei em um bastão de um amigo Espanhol. Fui levando nossa bandeira. A cada turista que passava, eles gritavam…Brasil….e era mais uma lágrima que rolava…


Orgulho, dor, superação, sonho, tudo... uma mistura de sentimentos!
E a chegada, a medalha.


E assim, foi o maior desafio e a maior vitória da minha vida.

Aprendi muito, fiz amigos, e principalmente descobri que a próxima tem que ser mais difícil, pois somos imbatíveis e do tamanho dos nossos sonhos.



Um comentário:

  1. Parabéns cara, que relato legal.
    Hoje estou no Ironman e quem sabe um dia quando for grande assim, posso tentar algo mais insano como essa sua prova rs.

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