Por: Gélcio Silveira
1º
Etapa - Inicio de uma rotina diária,
acordar às 5:30h, arrumar o saco de dormir, amarrar na mochila, tirar o café do
dia, um preparado que fiz, altamente calórico. Não levei pratos, portanto, para
fazer o café, cortávamos uma garrafa plástica de água, e com o fundo fazíamos
um recipiente, onde preparávamos nossas refeições. Acreditem, qualquer 100gr
que você evitar, ajuda.
Outra rotina, às 7:30h, a organização com
um megafone, fazia uma explanação do que seria a prova naquele dia,
dificuldades, etc..
Às 08h, o tiro inicial, foram 39,7 km , com muita chuva e
frio…
Uma novidade, muita areia; areia branca,
preta, fofa, dura e algo que não esperava: cascalhos! A sensação é que uma
bomba havia explodido minutos antes. Andei muitos Kms, tendo que
escolher onde pisar, pois era impossível fazê-lo correndo sem o risco de queda
séria.
A estratégia do primeiro dia, lembrando que ao
fim do dia, ainda faltariam 210km, foi andar forte nas subidas, e trotar nas
decidas. O peso nas costas, com as caraminholas cheias, chegava a 11,5Kg… por
isso, qualquer corrida mais rápida ficava difícil.
No entanto, a grande dificuldade do dia não
foi nada disso, foi o frio e a chuva torrencial. Para me salvar, peguei um saco
de lixo grande, e fiz uma capa, e coloquei por baixo das roupas, isso me
manteve aquecido (no peito).
Nesse dia, 3 atletas desistiram, sendo todos
por hipotermia.
Fiquei aproximadamente 4h me secando na
tenda, em volta do tambor com fogo, acabei seco e defumado... kkk. Detalhe,
toda minha roupa, estava no meu corpo, e portanto, se não fizesse isso,
dormiria molhado.
Nesse 1º dia, fiz 2 bolhas, na parte
interna do calcanhar, lugar novo pra mim, já que nos meus treinamentos no
Brasil, troquei a sola do pé umas 3 vezes!
Após tudo seco, concluímos que seria
impossível dormir na tenda beduína. E decidimos, eu, um canadense chamado Paul
e o outro brasileiro, Paulo, dormir na barraca plástica, que não tinha paredes,
mas que não entrava água por cima.
Assim, naquela noite, pegamos o tambor com
fogo, e deitamos em
volta. Tentem imaginar, o tambor ao centro e os sacos de
dormir fazendo um triângulo em volta, cada um pegando uma beradinha do calor…
Um curiosidade deste dia, faltando 2km para a linha de chegada, encontramos os outros dois brasileiros, o Vladi e o Alex, sendo que o primeiro é 100% cego, e o outro é seu guia… Uma lição de vida, e superação, que me ajudou muito, nos momentos mais difíceis da minha vida.
Nesse dia fiz em 06:47:22.
2º
Etapa – O amanhecer foi muito
frio, um absurdo de frio! Tanto que nessa noite, a organização arrumou
cobertores, pois, concluíram o risco de morte por hipotermia. A distância foi de 39,6km.
Até o meio dia insuportavelmente frio; após saíram
as nuvens e veio um céu de brigadeiro,,, e o solzão deu a graça, e amigos,,,
comecei a achar que com frio não estava tão ruim,,, kkk.
Um aumento de dificuldade para o dia anterior
de uns 20%, nada impossível. Muitas ossadas de camelos no caminho. Ahhh, havia
esquecido,,,o lugar é maravilhoso, muitos camelos selvagens, vi muito mais
camelos do que pessoas no deserto.
Mantive meu pace… acreditando em minha
estratégia. Tanto no primeiro dia, quanto nesse, eu e o Paulo, fomos juntos, e
terminamos juntos. Nesse dia fiz em 06:43:11.
3º
Etapa - Nesse dia,
amanheceu um pouco menos frio, e com os cobertores tudo ficou mais tranquilo. A
dificuldade passou a ser por conta do calor, já que em relação ao terreno e
dificuldades, foram muito parecidos com os dos dias anteriores.
Por incrível que pareça, fazer 39,2 km embaixo de sol não
parecia nada demais, estava virando rotina. Foi nesse momento, perto do Km15
que por conta do terreno acidentado, fiz uma leve torção no tornozelo direito,
nada demais, tanto que dei continuidade como se nada tivesse acontecido.
No entanto, ao fim da etapa, quando o
corpo esfriou, notei uma inflamação aguda no tornozelo e no músculo frontal da
tíbia direita. Tomei um antiinflamatório e fui dormir. Nesse dia fiz em
07:11:34.
4º
Etapa - Acordei e
descobri que o tornozelo direito bem como a “canela” doíam, mas a dor é
parceira nossa, então, tomei mais um antiinflamatório e começamos o dia. Muito
complicado, muito quente,,, Nesse dia, passamos por um autódromo de camelos,
sim,,, eles estavam treinando camelos para corridas, e pelo que notei, algo bem
profissional.
Quanto a dificuldade, muito parecido com
os outros dias. O diferencial era o acúmulo dos dias anteriores, as noites mal
dormidas, a alimentação racionada, isso tudo aos poucos vai minando o atleta.
No Km25 encontramos os outros
brasileiros, Vladi e Alex, e acabamos juntos, Eu, Paulo e os dois. Ao terminar
a etapa, me assustei, pois o tornozelo e perna estavam muito inchados, e quanto
a dor, não preciso mencionar. Mas, a frase, a dor é passageira, mas a
desistência é para sempre, não saia da minha cabeça.
Eu estava muito chateado, pois, não tinha
cansaço algum, dor alguma, cãibra, nada, apenas aquele tornozelo infeliz para deixar
tudo mais complicado. Foram 39,3km em 07:21:46
5º Etapa - O dia do desafio chegou, 86,5 km !
Tínhamos das 8h desse dia, até 12h do dia
seguinte para completar. Meu tornozelo e canela imóveis, inchados. Fui até
a tenda médica, e o mesmo sugeriu que eu abandonasse. Segui afirmando que Eu
precisaria de toda a minha capacidade física para completar esse dia. Eu,
respeitosamente disse: “Dr. vou até minha tenda e já volto” … ele deve estar me
esperando até agora...kkk
Fui até minhas coisas e peguei o máximo
de remédios para dor, pedi a alguns amigos, e fiz um estoque para
cada 3 horas. Iniciamos a grande e penúltima etapa. O que vou relatar agora não
tem o propósito de tornar mais dramática a viagem, a aventura, mas foi o dia
mais longo da minha vida e com certeza nunca senti tanta dor.
Sabe o nível de dificuldade do terreno
nos dias anteriores? Então, esse dia, foi 3 vezes mais difícil que os outros
dias juntos. Fizemos 2.200mts de altimetria acumulado. Iniciamos com a descida
de um desfiladeiro, com rochas soltas, e muito perigoso, isso durante uns 7km.
Chegamos a um rio seco, entre paredões de pedra, ou seja, quando chovia, ali
era a avenida principal.
Nesse rio seco, fizemos 39km, é difícil
explicar como é correr dentro de um rio seco, mas na faixa central é areia
fofa, e nas laterais pedras soltas, portanto, foi complicado..ahhh, o calor,,,
não esqueça do calor…
Quando cheguei ao posto de hidratação 4,
fiquei feliz, havia acabado o rio, então saímos dele, e para a surpresa de
todos, 11km de subida, do leito do rio até o topo da montanha, 680mts de
subida.
Lembrei da montain Bike, e usei essa
experiência para não desanimar,,,sempre pensava, na próxima curva acaba...kkk! Quando
cheguei no topo da montanha estava escurecendo, e na seqüência o posto número
5, faltavam 36 km
para fazer a noite. Ligada a lanterna de cabeça, continuei, pois se parasse
1minuto, tinha medo de esfriar e a dor aumentar.
Durante a noite, tudo o que Eu imaginava
sobre dor, dificuldade, frio, fome, tudo foi vivido. Enquanto era dia, eu
conseguia ver onde pisar e isso me ajudou muito, já durante a noite, apesar da
lanterna ser boa, inúmeras vezes pisei errado, principalmente nas descidas com
pedras soltas, nesses momentos a dor era quase insuportável.
Recordo de algumas vezes pisar errado
e a dor ser tão intensa, que vinha com uma ânsia de vômito. Algo que Eu nunca
tinha vivido, nem em treino, nem nas épocas das Lutas, nunca!
No auge do transe e da luta metro a metro
no escuro, cheguei ao posto 6 onde havia água quente. Parei por 15 min, fiz
comida, me aqueci e hidratei. Nisso, quase que reclamando da minha dor, parei
em uma tenda diferente, montada ao lado da tenda de hidratação. Era uma tenda
médica, e acreditem, tinha gente no soro, outros desmaiados, gente chorando,
vomitando, parecia uma guerra; Aquilo, me deu forças, pois vi que tinha gente
pior que Eu. E aquela frase não parava de bater em minha cabeça, a dor é
passageira …blá, blá, blá….
Pedi ao médico, remédio para dor e ele me
deu 3 comprimidos e disse tome 1
a cada hora, eu concordei, e tomei os 3 ao mesmo tempo, pois
tava de chorar. Na seqüência perguntei quanto faltava e tomei um susto, pois
faltava 31km.
Só para resumir, no posto 6 eram 8h da noite. Levei mais 8h para fazer os últimos 31 km . Cheguei às 04:08h. Se
me perguntarem como passei essas 8horas, não sei explicar, lembro de momentos,
e das ânsias de vômitos por conta das pisadas erradas.
Lembro também de adorar as subidas, pois
doía menos, acreditem, quando eu via que era uma descida, já me preparava para
a tortura. Eu nunca imaginei torcer por subidas kkk!
Outra coisa, faltando 1km para a chegada,
era possível ver as luzes do acampamento no meio do deserto, lembro de ter
ficado eufórico, o fim tinha chegado, a dor iria acabar.
Ilusão minha, nesse último km levei aproximadamente
1h:30 para fazer. Era uma descida, com pedras soltas, em “s” que somente
cabritos montanheses usavam. Absurdo, uma dificuldade inacreditável, estava exausto,
foi o Km mais difícil da minha vida.
Por fim, cheguei no acampamento e deitei
na primeira tenda que vi. Acordei tinha umas pedras enormes embaixo das minhas
costas, e nem havia notado, oh soninho bom!!!
Nesse dia fiz em 20:06:00.
Não da para acreditar, mas às 14:00h do
dia seguinte tinha atletas chegando ainda. Olhava em volta e parecia um
campo de guerra pós ataque. A tenda médica era a mais frequentada. Gente
chorando, mancando, bolhas, curativos, muletas. Todos, do 1º colocado ao último
estavam de alguma forma com cara de dor.
No entanto, era um olhar diferente, dor
com vitória. Aquele brilho, o brilho da superação nunca mais sairá da minha
cabeça. Os que desistiram, e foram pegos pela organização, choravam compulsivamente
quando viam chegar alguém às 15h, semimorto, mas vitorioso, não desistiu…venceu
o maior dos inimigos, ele mesmo.
Aprendi
algumas lições:
ü
Precisamos
de pouco, muito pouco;
ü
Amigos
aparecem quando você menos espera;
ü
A
dor é psicológica sim, e ponto final;
ü
Somos
indestrutíveis, e nosso limite é feito pelos nossos sonhos;
Ah, e que chorar não é coisa de menina...kkk,
pois no dia seguinte, quando lembrava de tudo que havia passado, e vinha aquela
dor, dava nó na garganta e enchia os olhos,,, Pensa num sentimento maravilhoso,
o choro da vitória.
6º
Etapa - Largamos às 09h,
dia de festa, apenas 6,1km, do acampamento até as ruínas de Petra.
Sou honesto, minha perna não queria fazer
esse último trecho. Mas, missão dada é missão cumprida. Então, faca na caveira!
Resumo, fiz esses 6km trotando e correndo. A dor era alucinante, mas andando
doía mais. Peguei a Bandeira do Brasil, e coloquei em um bastão de um amigo
Espanhol. Fui levando nossa bandeira. A cada turista que passava, eles
gritavam…Brasil….e era mais uma lágrima que rolava…
Orgulho, dor, superação, sonho, tudo... uma
mistura de sentimentos!
E a chegada, a medalha.
E assim, foi o maior desafio e a maior
vitória da minha vida.
Aprendi muito, fiz amigos, e
principalmente descobri que a próxima tem que ser mais difícil, pois somos
imbatíveis e do tamanho dos nossos sonhos.
Parabéns cara, que relato legal.
ResponderExcluirHoje estou no Ironman e quem sabe um dia quando for grande assim, posso tentar algo mais insano como essa sua prova rs.